Joana Caetano

SATÉLITES NA AGRICULTURA ANGOLANA

Indicadores apontam que, até 2050, não teremos infra-estrutura de produção agrícola para alimentar a população de 10 bilhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com o Relatório de Segurança Alimentar e Nutricional das Nações Unidas 2019, mais de 820 milhões de pessoas estão actualmente ameaçadas de fome, enquanto 670 milhões de adultos e 120 milhões de crianças lutam contra a obesidade. Em adição à tamanha distribuição desequilibrada, sabe-se que aproximadamente um terço (1/3) dos alimentos são perdidos ou desperdiçados, também a nível de Angola, por inúmeras razões, que ocorrem desde o início da produção até que cheguem às mãos do consumidor final.[2]

Vale lembrar que a agricultura mundial é um grande negócio, mas o seu significado deve estender-se muito além da economia. Para nossa futura sobrevivência, é notável que o paradigma actual para até 2050, tem de ganhar novas proporções, portanto agricultores de países, também em desenvolvimento, como Angola e não só têm lutado para isso, e de facto, garantir a segurança alimentar de uma população que cresce rapidamente pode tornar-se uma tarefa atipicamente dificultada, quando não se pode contar com o auxílio tecnológico “chave”, que os satélites de observação da terra, de navegação e os sistemas de informação geográfica (SIG) disponibilizam, para este sector. A nível mundial, imagens captadas por sensoriamento remoto e a análise de tais dados já têm revolucionado a produção de alimentos e o gerenciamento da cadeia de suprimentos, com o desenvolvimento da agricultura de precisão.

Numa altura em que, a aflição corre pelo mundo, devido ao Covid-19, projectos voltados à agricultura, merecem atenção redobrada pois contribuem significativamente para o combate à fome, face à pandemia, incorporando as metas 2, 3, 8, 13 e 15 no leque dos objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, até 2030. Mas como é que isto é possível?

Medições para uso agrícola, efectuadas por sensoriamento remoto, com por exemplo, Satélites de Observação, permitem uma análise profunda da vegetação, do solo e do clima, para determinarem:

  • Produtividade / vigor / clorofila;
  • Dano foliar de pragas ou doenças;
  • Presença de ervas daninhas;
  • Estudo do solo;
  • Previsões meteorológicas, etc.

O termo “agricultura de precisão advém da utilização dos conceitos de manejo das plantações, do solo e da aplicação de insumos agrícolas, nos locais e nos momentos mais adequados, pela adopção de técnicas modernas de observação da terra, posicionamento e georreferenciamento do campo. [3]

Diferente da abordagem localizada da agricultura de precisão, a agricultura convencional, preza pelo manejo médio da área de cultivo, em que as amostragens são recolhidas com um espaçamento grande, por exemplo, a cada 7 hectares. Posteriormente, as amostras são enviadas a um laboratório que fornece o resultado da análise média daquele campo, neste caso, para providenciarmos adubação, temos de calcular a necessidade de adubação média por campo. No entanto, na agricultura de precisão, este processo resulta de uma matrix amostral com pontos de colecta previamente georreferenciados, na faixa de 1 ponto por hectare, ao invés de tratar o campo de cultivo de forma homogénea (usando a média), trata-o como uma área heterogénea, optimizando desta forma, o uso de insumos, fertilizantes, etc. [3]

Os meios que possibilitam a agricultura de precisão são: GPS, instrumentos e/ou veículos agrícolas automatizados, drones/satélites e softwares SIG, como o QGIs e o ArcGis. Estes últimos, através de cálculos matemáticos e estatísticos, permitem transformar os dados captados por drones/satélites e instrumentos inteligentes no campo em informações valiosas, que favorecem excelentes tomadas de decisões sobre a lavoura, ao longo do ano agrícola.

Tais informações são obtidas pelo cálculo de parâmetros biofísicos que caracterizam a vegetação, tais como:

Fcover (fracção de vegetação verde): Índice que possibilita determinar a percentagem de vegetação presente na superfície do solo.

NDVI (Índice de Vegetação da Diferença Normalizada): mede o estado e a saúde das culturas ou o vigor das culturas, os seus valores variam de -1 a 1 mas o intervalo 0.3-0.5 é considerado aceitável, quanto mais próximos os valores estiverem do 1, melhor estará o estado da vegetação. Este índice quantifica a vegetação medindo a diferença entre o infravermelho próximo (cuja vegetação reflecte fortemente) e a luz vermelha (que a vegetação absorve).

CHL: Índice que possibilita a determinação do nível de Clorofila.

Além da precisão que advém destes índices, a grande vantagem destas medições, reside no facto de serem realizadas remotamente, sem a necessidade de inspecção presencial (com excepção da amostragem do solo). Desta forma, é possível obter-se ganhos em eficiência tanto em pequenas, médias ou grandes áreas cultivadas e implantar-se conceitos de agricultura de precisão, de acordo com a realidade de cada propriedade.

Em resultado, o agricultor economiza tempo, recursos, reduz o impacto ambiental, rentabiliza os seus ganhos e aumenta a rentabilidade do sistema.

Os sistemas de produção em Angola, estão basicamente concentrados nas produções familiares ou pequeno produtor (80%), produtor médio (18%) e produtor empresarial (2%). As culturas alimentares mais cultivadas pela maioria de agricultores agrupam-se em raízes, tubérculos, cereais, massango, massambala, arroz, legumes e hortaliças. [1] 

Caso de Estudo

A título de exemplo, foi realizado um caso de estudo aplicando as técnicas de processamento de imagens, com a ferramenta QGIS, na seguinte ordem:

  1. Identificação da zona desejada pelo Google Earth Pro;
  2. Importação do ficheiro (KML) do Google Earth no Qgis;
  3. Delimitação da área de interesse;
  4. Download de imagem do satélite Sentinel-2;
  5. Efectuação dos cálculos. 

Para uma análise mais detalhada recomenda-se o uso de imagens de maior resolução, porém com a do Sentinel-2, conseguiu-se elaborar dentre outras, as seguintes informações: 

  • Mapa de fertilidade;
  • Mapa de enxofre;
  • Mapa de PH;
  • Mapa de recomendação de adubação;
  • Mapa de produtividade;
  • Mapeamento da vulnerabilidade do fósforo no terreno; 

Com o presente geo-mapeamento, tornou-se possível identificar e tratar de forma diferenciada a variabilidade encontrada na lavoura e no solo, de acordo a necessidade!

O Futuro Tecnológico da Agricultura em Angola

Quanto às soluções disponíveis no mercado global, existe actualmente uma grande oferta de ferramentas de suporte, gratuitas e pagas, no entanto, o espaço para o desenvolvimento de aplicativos, geralmente de plataforma híbrida (móveis e desktop) e totalmente dedicados à agricultura tende a se alargar, pela peculiaridade de estarem a tornar-se cada vez mais personalizados, inteligentes e completos, com a combinação de técnicas de inteligência artificial, no seu desenvolvimento. Neste momento, encontra-se a um terço (1/3) do seu desenvolvimento, uma ferramenta WebGis para suporte agrícola 100% angolana, que estará disponível, no final do ano corrente.

O GGPEN, tem adquirido domínio na área, visando uma posterior partilha de conhecimento, bem como o fornecimento de informações geoespaciais oportunas e detalhadas, que guiarão os sistemas de orientação agrícola (pequenos e grandes proprietários de fazendas ou afiliados ao sector público, como as cooperativas e uniões), para um melhor gerenciamento da produção agrícola, visando a maximização do rendimento em grande escala.

Como espelhado neste artigo, de facto podemos todos, desde já, usufruir das imagens dos satélites de observação da terra e suas subsequentes aplicações. Basta conhecermos as fontes dos seus dados e adquirirmos manuseio das ferramentas disponíveis, muitas vezes de forma gratuita. A título de exemplo, citamos as imagens do satélite Sentinel-2 (10 – 60 m de resolução espacial), que são disponibilizadas gratuitamente, no entanto a sua boa manipulação exige domínio sobre técnicas de processamento de imagens, com programação e/ou manuseio de ferramentas SIG como o QGIS, que também é gratuito. 

Ao fechar este capítulo, incentivamos o devido aproveitamento dos variados recursos geoespaciais, que na verdade, estão ao alcance de todos nós.

Referências

  1. Diário da República de Angola – 25 de Fevereiro de 2014, Zonas Agrícolas;
  1. Gebze Technical University, TURKEY , Scientific Journal ,  Smart farming- precision agriculture technologies and practices;
  1. Fábio, Brasil – Geoprocessamento e Qgis na Agricultura de Precisão
  1. https://precisionagricultu.re/wide-impacts-for-precision-farming/

Autora:

Joana Paula Nogueira da Cunha Caetano

Mestre em Serviços e Aplicações Espaciais.

Técnica Sénior e especialista em Aplicações Espaciais

Comentários