Luciano Lupédia

TELEMEDICINA EM ANGOLA

Angola é um país com baixa densidade populacional (20 habitantes por quilómetros quadrados) e com vários aglomerados de populações desprotegidas em termos de saúde e outros cuidados. Para além disso, existe uma grande escassez de médicos primários e de especialidade, mesmo nos centros urbanos, em 2017 existia um profissional de saúde por cada 4762 habitantes [1], onde 70% destes profissionais está na capital do país [2] e a proporção de infraestruturas de saúde em Angola é de um centro de saúde por 25000 habitantes [2]. 

Para solucionar esses problemas, o executivo tem desenvolvido diversas acções no quadro do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018 – 2022, onde a política de saúde assenta na Estratégia de Longo Prazo (ELP) Angola 2025, e enquadra-se nos objectivos da Agenda 2063 da União Africana: “Cidadãos saudáveis, bem nutridos e com uma longa esperança de vida” e “Cidadãos com acesso a serviços de saúde de qualidade e a preços acessíveis, com acesso universal a informação de saúde sexual e reprodutiva, disponíveis para todas as mulheres e grupos vulneráveis”, nos objectivos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), nomeadamente “garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” (ODS 3) e “erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável, contribuindo assim para uma melhoria da saúde pública” (ODS 2). Tendo em conta as estatísticas apresentadas anteriormente sobre a densidade populacional, rácio de profissionais de saúde por habitante e a assimétrica distribuição desses pelo país, a telemedicina surge como uma tecnologia útil para alcançar algumas metas do PDN.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define telemedicina (ou telessaúde) como sendo a “entrega de serviços de cuidados de saúde cuja distância seja um factor crítico, por todos os profissionais de saúde, utilizando as tecnologias de informação e comunicação (TIC) para o intercâmbio de informações válidas para o diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, investigação e avaliação, e para a educação e formação contínua dos prestadores dos cuidados, tudo no interesse de desenvolver a saúde dos indivíduos e das suas comunidades”. Em outras palavras a telemedicina é a prestação de serviço de saúde a distância, o que permite por exemplo que médicos em Luanda possam dar consultas para pacientes em qualquer parte de Angola.

História da telemedicina

A telemedicina conforme definida, surgiu em 1967 quando o Hospital Geral de Massachusetts criou uma linha de comunicação com o aeroporto de Boston para que os atendimentos médicos de emergência no aeroporto pudessem contar com o auxílio dos profissionais do hospital, o que muitos consideram como a primeira prática de telemedicina do mundo.

Em Angola a história documentada da telemedicina remonta a 2006 quando o Ministério da Saúde de Angola (MINSA) iniciou a implementação do Programa de Revitalização do Sistema Nacional de Saúde a nível municipal, a municipalização dos serviços de saúde. Em 2007 a OMS em coordenação com o MINSA desenvolveu um projecto piloto designado por PEDITEL que tinha por objectivo implementar uma solução integrada de Telemedicina, com o fim de contribuir para a redução da mortalidade infantil que é muito elevada em Angola. Este projecto de telemedicina, usava circuitos de comunicação dedicados para aumentar a qualidade dos serviços públicos às populações que acedem aos cuidados de saúde no âmbito dos seguintes hospitais: Hospital Pediátrico David Bernardino de Luanda e o Hospital Provincial de Benguela juntamente com o Hospital Pediátrico de Coimbra em Portugal.

Em 2014 Angola aderiu ao projecto RAFT – Rede de África Francófona de Telemedicina, que surge em cooperação com os Hospitais Universitários de Genebra. Este projecto abrange hospitais de referência como o Hospital Américo Boavida e o Hospital Pediátrico David Bernardino e alguns hospitais provinciais: Hospital Provincial de Cabinda, Hospital Provincial do Bengo, Hospital Geral de Malanje, Hospital Provincial da Lunda-Sul e o Hospital Provincial do Bié.

Em 2018 no âmbito da implementação da rede Nacional de Telemedicina inserida nos projectos sociais do Angosat foram implementados 32 sites de telemedicina, espalhados por quatro províncias do país, nomeadamente Huambo, Luanda, Lunda-Sul e Moxico. Os hospitais municipais são conectados ao hospital provincial através  de um link de satélite usando capacidades nos satélites AM-7 e Eutelsat-3B. Neste projecto os pacientes se dirigem aos hospitais municipais e lá são atendidos via teleconsulta por médicos especialistas de um hospital provincial ou de um hospital de referência nacional em Luanda, como o Hospital Universitário Américo Boavida, Hospital Josina Machel, Hospital do Prenda, Hospital Pediátrico David Bernardino e Maternidade Lucrécia Paim. A utilização de links de satélite permite cobrir todo o território nacional de forma rápida incluindo as áreas remotas e de difícil acesso onde normalmente não se encontra disponível a cobertura da rede móvel. 

Potencialidades e dificuldades na utilização da Telemedicina em Angola

As principais potencialidades da Telemedicina são as seguintes: 

  • Possibilidade de acesso à saúde para populações em áreas remotas;
  • Possibilidade de tratamento e cuidados ao paciente, sem obrigatoriedade de deslocações;
  • Atendimento e qualidade de serviços, com equidade e universalidade, independentemente da localização geográfica dos pacientes;
  • Maior conforto do paciente (o processo de diagnóstico e tratamento torna-se mais ágil e eficiente e os locais de difícil acesso têm a oportunidade de se contactar com profissionais de saúde especializados);
  • Redução de custos (diminuição de custos de deslocações dos profissionais de saúde e dos pacientes);
  • Aprendizagem à distância, educação médica contínua e investigação, através da troca de conhecimento e opiniões entre médicos (colaboração médica, incluindo a partilha de informação entre profissionais de saúde e possibilidade de existência de fóruns de discussão e pedidos de opinião).

Apesar das vantagens da Telemedicina enumeradas anteriormente e da crescente tendência para a sua utilização, a difusão destes serviços enfrenta com obstáculos e dificuldades relacionadas com a:

  • Necessidade de mudanças organizacionais nas instituições;
  • Necessidade de formação dos profissionais (para utilização das aplicações tecnológicas);
  • Aceitação e colaboração do paciente, no momento de teleconsulta;
  • Resistência de médicos para utilizar os novos serviços de Telemedicina;
  • Relação médico-paciente é afectada, sendo necessária uma adaptação dos códigos éticos e deontológicos à nova realidade dos sistemas de vigilância;
  • Validação profissional dos mecanismos de regulação e certificação da responsabilidade médica e da necessidade da implementação de uma assinatura electrónica.

Conclusão

A telemedicina tem o potencial de ajudar o Executivo no alcance das metas da política de saúde traçadas no PDN, melhoria da qualidade dos serviços de saúde, potencialização da transformação da distribuição geográfica da prática de medicina, atenuando o factor distância, bem como, ajudar nos esforços de combate a pandemia da Covid-19, que já infectou mais de 96 milhões de pessoas e causou mais de 2 milhões de mortes em todo mundo.

Fontes

  1. https://www.indexmundi.com/angola/physicians_density.html
  2. https://www.who.int/hac/crises/ago/background/profile/en/
  3. Relatório dos serviços de Telemedicina, Infrasat, 2020.
  4. Oliveira A. R. P., “A telemedicina como um novo modelo na prestação de cuidados na saúde pública: Implementação em Angola”, dissertação de mestrado, Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas, Universidade de Lisboa, 2014.
  5. Governo de Angola, “Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022”, Vol I, 2018.
  6. MAIA M. R., CORREIA J. C. e LAPÃO L. V, “Desafios da telemedicina em Angola no apoio à municipalização da saúde”, XII Jornadas APDIS, 2016.

Autor

Luciano Lupédia

Mestre em Telecomunicações Redes e Multimídia (TRM) pela Universidade de Ciência e Tecnologia Houari-Boumediene (USTHB)

Técnico do Departamento de Desenvolvimento de Aplicações Espaciais do GGPEN

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