Um olhar sobre a Estratégia Espacial Nacional e a formação de quadros

Desde Dezembro de 2017 a palavra Satélite entrou no léxico angolano e tornou-se num dos assuntos que embora não percebendo muito bem, os angolanos ganharam gosto em discutir nos mais variados círculos, com realce nas redes sociais. Histórias a parte, o facto é que Angola entrou no mapa das nações detentoras de conhecimento e infraestruturas espaciais e segue uma Estratégia de Implementação do seu Programa Espacial Nacional, que dentre muitos aspectos conta com a academia nacional como elemento catalisador para o surgimento de uma indústria nacional de pequenos satélites, serviços e aplicações espaciais para o benefício dos angolanos.

PORQUÊ LANCAR SATÉLITES

Antes de olharmos para a Estratégia Espacial Nacional, vale lembrar que passados mais de 60 anos desde o lançamento do primeiro satélite pela URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), os benefícios da exploração espacial vão além das vantagens geopolíticas.

Hoje em dia, o investimento no espaço beneficia os países de forma transversal em áreas como telecomunicações, agricultura, transportes, meio ambiente, meteorologia e clima, gestão e ordenamento do território, infraestruturas, transportes marítimos e pescas, segurança do Estado, etc.

Embora o lançamento do satélite de comunicações Angosat seja a primícia da Estratégia Espacial Nacional 2016-2025, trazemos neste artigo o destaque de um eixo tão importante quanto o investimento em tecnologia espacial, que é tão-somente a Capacitação dos recursos humanos nacionais e a Promoção do sector espacial em Angola (Eixo 2), factores estes, essenciais para assegurar a sustentabilidade e o êxito da Estratégia Espacial.

Este eixo da Estratégia é, no fundo, um desafio gigantesco para o país e ao mesmo tempo uma grande oportunidade de alavancagem da Academia Nacional em termos de se atingir altos patamares na Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (I&D), bem como do sector industrial público-privado que poderá tirar proveitos destes resultados, se fizer uma aposta directa na nova economia baseada no espaço o (New Space Economy), numa indústria global que atinge receitas na ordem dos 270 bilhões de dólares, anualmente.

FORMAÇÃO DE QUADROS NACIONAIS NA ÁREA ESPACIAL

A Estratégia Espacial Nacional coloca a formação e capacitação na área espacial em Angola, como instrumento fundamental para o investimento no espaço.

Portanto, o grande desafio para o nosso país passa por assegurar a formação e capacitação de recursos humanos, através da “promoção, fomento, transferência, difusão e desenvolvimento da ciência e tecnologia espacial, garantindo o binómio universidade e indústria espacial nacional”, bem como “estabelecer protocolos de cooperação com instituições técnicas e científicas do domínio espacial” e “promover o envolvimento do sector académico e de pesquisa científica nacional”, responsabilidades estas atribuídas ao Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional (GGPEN) por Decreto Presidencial n.º 152/21.

O investimento neste sector permitirá fomentar experiências científicas e tecnológicas com carácter estratégico para os sistemas espaciais nacionais e para o avanço da ciência e tecnologia espacial no país.

Neste particular, pretende-se que a capacitação dos recursos humanos angolanos incida não apenas em temas tecnológicos e científicos gerais, mas também em áreas com impacto directo no sector espacial.

A tendência internacional neste sentido, tem sido a aprendizagem por meio de projecto, numa aposta directa em Cubesats ou nanossatélites, cujos custos reduzidos e prazos curtos de desenvolvimento se traduzem em oportunidades ideais para treinar estudantes, engenheiros e cientistas em áreas da engenharia, software e STEM (do inglês Science, Tecnology, Engineering and Mathematics) num modo geral.

Implementadas essas primícias, será uma realidade no país o desenvolvimento de satélites científicos e tecnológicos que poderão desempenhar um papel bastante relevante em Angola, não apenas em matéria de capacitação, mas igualmente para fins de missões científicas e tecnológicas com interesse para as comunidades académica e industrial angolanas no Centro Angolano de Estudos Espaciais.

CENTRO ANGOLANO DE ESTUDOS ESPACIAIS

Estratégia no seu eixo 2, prevê a criação de um Centro Angolano dedicado em exclusivo ao sector espacial para a formação específica dos angolanos, nas áreas relevantes para a utilização e exploração do espaço por via da incubação de projectos na área espacial, com impacto na vida das nossas populações e no posicionamento internacional de Angola.

Nesta senda, considera-se que o Centro Angolano de Estudos Espaciais deverá ter uma responsabilidade acrescida pela realização de pesquisas e estudos relacionados com ciências espaciais, por desenvolver aplicações espaciais angolanas independentes (nomeadamente nas áreas das comunicações, geofísica, astronomia, meteorologia, observação e monitorização da Terra, entre outros) e por assegurar um processo eficaz de transferência de tecnologia com a indústria espacial.

A este respeito, a aproximação entre a academia e a indústria deve ser promovida com vista a assegurar a transferência de tecnologia desenvolvida pelos institutos e centros de pesquisa para as empresas do sector espacial, de modos a garantir o desenvolvimento e implementação de programas e projectos espaciais independentes e eficazes.

Tudo isto permitirá assegurar a independência paulatina de Angola no sector espacial, em termos de construção e operação de satélites com recursos humanos e financeiros nacionais. Assim sendo, é urgente a implementação de um programa nacional de capacitação que estruture de forma coordenada os modelos de formação na área espacial, incluindo em matéria de entidades/centros de formação e cooperação com a indústria, que constituirá um instrumento essencial para guiar o investimento nesta área.

PROMOÇÃO E DISSEMINAÇÃO

A promoção e disseminação do sector espacial em Angola visa a capacitação da população angolana não apenas de profissionais do espaço, mas também de utilizadores dos produtos, serviços e tecnologias espaciais, fundamentais para assegurar que o investimento no espaço tenha um impacto efectivo na sociedade angolana

Por conseguinte, a sustentabilidade dos projectos espaciais requer o envolvimento dos utilizadores finais sob pena de os mesmos poderem não atingir os objectivos pretendidos. O exposto criará um círculo virtuoso em que o aproveitamento das tecnologias e serviços espaciais promove o investimento no espaço e este, por sua vez, promove o aproveitamento das tecnologias e serviços espaciais e assim sucessivamente.

Estas acções visam também assegurar que as actividades espaciais angolanas são permanentemente divulgadas à população angolana, assegurando desta forma a existência de um canal que estruture a informação neste domínio, bem como a realização regular de iniciativas neste contexto.

Portanto, entende-se nesta estratégia, que deverá ser efectuado um amplo trabalho de sensibilização sobre a importância da utilização e exploração espacial para o desenvolvimento social e económico de Angola, potenciando deste forma a participação da sociedade civil em programas e projectos espaciais.

A TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO

A formação e transferência de conhecimentos aos quadros angolanos é condição sine quan non ou indispensável para todos os projectos espaciais que sejam implementados e desenvolvidos em Angola. São de suma importância a medida em que constituem elementos alavancadores multissectoriais no domínio da transferência de tecnologia e da criação de competências especializadas, principalmente em colaboração com entidades estrangeiras.

A transferência de conhecimentos e experiências obtidas em formações ou projectos no estrangeiro, reafirma a estratégia, deverão ser asseguradas e devidamente aproveitados pelo país, designadamente através de programas de acompanhamento para a partilha e aplicação dos conhecimentos e experiências junto dos quadros que participam em projectos estruturantes espaciais em Angola.

Em suma, um árduo trabalho neste sentido já tem sido feito pelo GGPEN nos últimos oito (8) anos, mas para que possamos ter os resultados preconizados na Estratégia Espacial Nacional dentro dos prazos estabelecidos e para que o país possa beneficiar efectivamente do investimento no espaço, precisa-se de um engajamento multissectorial em projectos conjuntos e uma Academia Nacional mais actuante neste domínio.

Fonte: Estratégia Espacial Nacional da República de Angola (2016-2025)
Autor: Dr. Gilberto Gomes (PhD)
Departamento de Apoio ao Director Geral
Área de Educação Espacial