Aldair Gonçalves

OS SATÉLITES DE NAVEGAÇÃO E A SUA UTILIZAÇÃO NO COMBATE À COVID-19

Por:  Aldair André Martins Gonçalves e Gilberto Gomes*

Os membros da Comissão Multissectorial de Luta Contra a Covid-19 vêm constantemente alertando que estamos próximos da contaminação comunitária em Angola, considerando o número crescente de contaminação local. Até o dia 13 de Maio de 2020, o país contava com 45 pessoas infectadas com o novo Coronavírus, sendo 18 das quais por contaminação local e mais de 800 contactos directos ocasionais, abrindo-se assim uma possibilidade de começar a haver aumento de casos (dados em constante actualização), caso não se cumpram as medidas sanitárias de protecção contra o vírus.

A nível mundial tem sido usado amplamente a tecnologia de satélites, como o Sistema Global de Navegação por Satélite, do inglês Global Navigation Satellite System (GNSS) para detecção e rastreio de casos infectados da COVID-19.

Breve resenha histórica sobre o surgimento dos sistemas de navegação

A necessidade de navegação começou a partir dos anos 3500 a.c através dos transportes marítimos, considerado por muitos como o caminho mais simples e eficiente para transportar bens. O processo de navegação advém da necessidade de comércio entre as pessoas e da conquista do mundo. 

A navegação, mais propriamente “Aonde Estou” sempre foi necessária para saber o próximo porto! Até os anos 1900 a evolução passou pela navegação por simples observação, usando a estrela polar (corpos celestes) através de instrumentos magnéticos e astronómicos. Entretanto, todos esses métodos eram fortemente dependentes da visibilidade (céu nublado). 

Com o desenvolvimento de transreceptores introduziram-se novos métodos de navegação conhecidos como rádio navegação. A medição passou a ser feita por transmissores de rádio fixos, como US LORAN C. Com o advento da conquista do espaço os transmissores foram substituídos pelos satélites de navegação e pela tecnologia GNSS.

Nesse artigo vamos abordar como os serviços de GNSS têm sido importantes durante a pandemia da Covid-19.

Os serviços de GNSS

O Global Navigation Satellite System (GNSS) envolve uma constelação de satélites que orbita a terra (à volta de 21000 km, 56º) continuamente transmitindo sinais e permitindo aos usuários detentores de um receptor (em terra, no ar ou no espaço) determinar a sua Posição, Velocidade e Tempo (PVT) num dado sistema de referência terrestre. 

Para determinar a PVT de um usuário com receptor equipado com GNSS são precisos, no mínimo, 4 satélites do GNSS visíveis, sistema de referência do tempo e de espaço, posição precisa do satélite e os parâmetros precisos do relógio.

São igualmente necessários informação da ionosfera e troposfera (toda essa informação é difundida pelo satélite na mensagem de navegação), dados para calcular a sua posição e do satélite medindo o tempo de propagação do sinal (T) entre o satélite e o receptor.

O papel dos telemóveis no controlo de casos de COVID-19

Aproveitando da possibilidade que a maioria dos telemóveis, actualmente, traz integrado um receptor de GNSS (GPS, GLONASS, GALILEO ou BEIDOU), que tem sido estudado a sua utilização para o rastreamento de contacto (contact tracing em inglés) durante as epidemias e com maior ênfase para o actual contexto da pandemia da COVID-19.

Tendo em conta o aumento do risco de contaminação devido ao contacto entre pessoas, pelo menos 19 países já estão a desenvolver rastreadores de localização usando os telemóveis para combater o surto, segundo o site GPS World.

 As aplicações são denominadas rastreadores de contactos “contact tracing”, que vão permitindo monitorar o movimento das pessoas suspeitas e seus contactos.

Esta metodologia de controlo de doenças visa a elaboração de uma lista de todas as pessoas próximas a um portador do vírus, com a finalidade de verificar se elas estão em risco de infecção a fim de tomar as medidas sanitárias apropriadas.

Entretanto, alguns governos já desenvolveram os seus próprios aplicativos para rastreamento de contactos usando os GNSS, mais propriamente o GPS, o Bluetooth e outros ainda utilizam os dados oferecidos pelas operadoras de telefonia móvel que são obtidos por Triangulação de Antenas, ou seja, são utilizados dados de três torres de telefonia móvel para fornecer uma localização precisa do telemóvel.

A título de exemplo, empresas de telecomunicações da Europa estão a partilhar dados de localização com autoridades de saúde na Itália, Alemanha e Áustria para verificar se as pessoas estão em casa, segundo uma publicação da Reuters. 

Os dados fornecidos às autoridades são agregados e anónimos, mapeando concentrações em vez de indivíduos para respeitar as leis de privacidade da Europa.

O rastreio dos dados e contactos de quem testou positivo

Relativamente às questões levantadas pela Comissão Europeia sobre a privacidade e protecção de dados, especialistas respondem que a ideia não é que o Governo fique a saber “com quem se esteve”, mas sim automatizar o que já existe. Afirmam ainda que o fim último não é sinalizar casos, é avisar quem esteve em contacto com quem testou positivamente sem que se diga quem é essa pessoa. É apenas uma notificação a dizer que há um risco acrescido de que possa ter sido contagiado, vale a pena fazer o teste. Se testar positivo, deve ficar em quarentena.

Actualmente, segundo o protocolo internacional, sempre que um caso for positivo, o doente deve informar aos profissionais de saúde as pessoas com quem esteve nas últimas duas semanas, durante mais de quinze minutos e a menos de dois metros de distância (o que poderá ser detectado automaticamente através da localização do telemóvel da pessoa infectada) e de outras pessoas que estiveram perto do paciente.

Depois desta referência, todos os contactos que estiveram nas proximidades receberiam um SMS. “Uma coisa tão simples, como por exemplo: O senhor esteve próximo de alguém que testou positivo, embora não diga quem é”, exemplificou um especialista. 

Como se sabe, em Estado de Emergência, a própria lei prevê a suspensão de uma série de direitos, liberdades e garantias. É o “trade off” necessário entre proteger a saúde pública e a identidade das pessoas.

Defende-se a ideia de que quem teste positivo dê o seu número de telefone, de forma anónima, para que desencadeie, assim, automaticamente, um SMS que é enviado a todos os telemóveis que estiveram próximos do mesmo (através da geolocalização) nos últimos 14 dias, convidando essas pessoas a fazerem o teste.

O modelo sul-coreano de geolocalização para rastrear infectados é apontado como um bom exemplo no combate à Covid-19 pelo resto do mundo e uma estratégia eficaz que reduziu o crescimento da curva epidémica.

Os sul-coreanos realizaram testes rápidos, numerosos mas direcionados, usando o mapa de movimentos de cada pessoa com resultado positivo, obtido graças à geolocalização dos telemóveis. Conseguiram identificar e isolar os sujeitos em risco, criando aplicações que permitiam aos cidadãos conhecer áreas de maior trânsito de pessoas contagiosas, de maneira a evitá-las.

Na China, aquando da construção dos dois hospitais improvisados, Huoshenshan (Fire God Mountain) e Leishenshan (Thunder God Mountain) em Wuhan, o epicentro da epidemia, equipamentos baseados no Sistema de Navegação por Satélite BeiDou (BDS) forneceram serviços de posicionamento de alta precisão e acelerou a construção”, afirmou em comunicado de imprensa um oficial da empresa China Aerospace Science and Technology Corp. (CASC). 

A China usou ainda os seus sistemas de navegação para garantir as informações de posicionamento dos robôs que entregaram materiais médicos para áreas de isolamento hospitalar em alta velocidade.

A Google e a Apple anunciaram uma parceria para desenvolver um software que permite o rastreamento digital de pessoas que estiveram perto de outras infectadas, também por Bluetooth, para ajudar governos e agências de saúde a reduzir a propagação do novo coronavírus. Tal como então noticiou a Lusa, os smartphones com sistema operativo iOS, da Apple, ou Android, da Google, vão poder trocar informações para acompanhar os contactos entre pessoas e alertar os utilizadores se tiverem estado em contacto com alguém que está contagiado com Covid-19. A ferramenta estará disponível a partir de Maio, lê-se no Observador. 

Em Angola, segundo a porta voz da Comissão Multissectorial da Luta Contra a Covid-19, as autoridades angolanas podem pedir junto dos operadores de telecomunicações o registo detalhado de chamadas e outros dados para rastreio de cidadãos suspeitos ou com casos confirmados de Covid-19, bem como dos seus contactos. A medida consta do Decreto Presidencial n.º 128/20 de 8 de Maio de 2020 no seu artigo 4º, alínea g. 

Outro rastreamento é feito através do Centro Integrado de Segurança Pública (CISP) de forma manual, isto é, as pessoas ligam para informar quando apresentam sintomas da doença, se estiveram em contacto com uma pessoa infectada ou caso conheçam alguém que tenha viajado e não esteja a cumprir a quarentena obrigatória.

Em seguida é accionada a equipa de rastreamento que investiga e dá as orientações ou vai ao encontro dos casos. E quando necessário, é usado o sistema de “Triangulação das Operadoras Móveis” para localizar um determinado endereço falso com número de telefone. 

Georeferenciação é uma técnica usada também na investigação criminal e que, sempre que autorizada, as operadoras conseguem obter a localização de determinado telemóvel, mesmo que o seu proprietário tenha desactivado os serviços de localização.

Esperamos que tenha aprendido alguma coisa nova. Faça a sua parte ficando em casa! 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Euronews – Covid-19: A partir de agora, autoridades angolanas podem rastrear chamadas de pessoas com sintomas. https://pt.euronews.com/2020/04/24/covid-19-a-partir-de-agora-autoridades-angolanas-podem-rastrear-chamadas-de-pessoas-com-si 
  2. Observador – Itália vai usar modelo sul-coreano de geolocalização para rastrear infetados e combater pandemia. https://observador.pt/2020/03/23/italia-vai-usar-modelo-sul-coreano-de-geolocalizacao-para-rastrear-infetados-e-combater-pandemia/ 
  3. https://sia.org/covid-19/ 
  4. https://www.gpsworld.com/19-countries-track-mobile-locations-to-fight-covid-19/ 
  5. https://www.gpsworld.com/china-adds-to-beidou-as-satnav-service-helps-fight-coronavirus/ 
  6. https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-india-app/india-orders-coronavirus-tracing-app-for-all-workers-idUSKBN22E07K 
  7. https://www.bbc.com/news/technology-52409893?ocid=wsnews.chat-apps.in-app-msg.whatsapp.trial.link1_.auin 
  8. https://edpb.europa.eu/sites/edpb/files/files/file1/edpb_guidelines_20200420_contact_tracing_covid_with_annex_en.pdf 
  9. https://www.telegraph.co.uk/news/2020/05/09/contact-tracing-test-track-trace-plan-how-work-uk/ 
  10. http://jornaldeangola.sapo.ao/mundo/covid-19-google-e-apple-vao-criar-software-para-rastrear-pandemia 
  11. https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-usa-apps/apple-google-ban-use-of-location-tracking-in-contact-tracing-apps-idUSKBN22G28W 
  12. Bajaj, S. L. Ranaweera and D. P. Agrawal, “GPS: location-tracking technology,” in Computer, vol. 35, no. 4, pp. 92-94, March 2002, doi: 10.1109/MC.2002.993780. 
  13. Presentation Satellite Navegation Fundamental, E Robert, Airbus, MS SPAPS 2020.
     

 *Autores

Eng. Aldair Gonçalves, Especialista do Canal de Serviço do Centro de Controlo e Missão de Satélites
Dr. Gilberto Gomes, Responsável pelo Departamento de Ciências Espaciais e Pesquisa Aplicada (DCEPA)

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